ENTREVISTA: SANTIAGO CARLOS OVES
PARTE 1
Santiago Carlos Oves foi uma das primeiras pessoas com quem eu tive o privilégio de conhecer no meio cinematográfico argentino. Ter a oportunidade de participar do curso de roteiro no qual ministra pelo SICA trouxe não somente perspectivas para conhecer melhor o processo de construção de um roteiro, como também sobre o sentido do cinema. Nome de referência para conhecer o cinema argentino nos últimos vinte anos, Santiago foi roteirista de filmes de êxito como “EVA PERON, QUIEN QUIERE OIR QUE OIGA” e "SOL DE OTOÑO", ambos dirigidos por Eduardo Mignona. Recentemente, dirigiu o filme "CONVERSACIONES CON MAMA", qu esteve em cartaz durante este ano no Brasil.
Abaixo, a primeira parte da entrevista que o LA ARGENTINIDAD NO CINEMA realizou com ele, no qual fala um pouco sobre a sua carreira, assim como questões relacionadas a construção de um roteiro. Nesta próxima sexta feira, LA ARGENTINIDAD NO CINEMA coloca a segunda parte no qual fala sobre o cinema argentino atual, a repercussão de seu mais recente filme "Conversaciones con mama", no Brasil e outras questões.
COMO VOCÊ COMEÇOU A FAZER CINEMA E O QUE O MOTIVOU A INGRESSAR NESSA CARREIRA?
Para minha geração, o cinema era parte da vida cotidiana, estamos falando da década de 50, quando a televisão surge na Argentina, mas sem possuir muitos canais. Digo isso para que os jovens possam compreender que naquela época não tinha a diversidade que existe hoje em dia na televisão. Quando eu tinha 20 anos ia de cinco a sete dias por semana ao cinema, no qual comecei sendo um espectador. O cinema foi se tornando uma parte importante na minha vida, com o passar dos anos, e por essas circunstâncias, fui boletero, ou seja, vendia bilhetes em um cinema que mostrava filmes como os da Nouvelle Vague, o Novo cinema alemão, Novo cinema argentino na década de 60, o que foi o neo-realismo italiano, o pós neo-realismo italiano. Eu me lembro que tinha o horário das duas da tarde até seis da tarde, porque depois vinha um outro boletero para me substituir e eu ia então a ver todos os filmes. Estava fascinado pois comecei a descobrir os artistas de cinema, como Rossellini, Godard, Truffaut. Quanto ao cinema argentino, comecei a ver filmes de Leopoldo Torre Nilsson, um dos maiores cineastas argentinos, Leonardo Favio na sua primera época, de filmes como "Crónica de un niño solo", "Éste es el romance del Aniceto y la Francisca", "El dependiente" que foi a época independente do cinema preto e branco, tão particular. Foi então que assim comecei a me apaixonar pelo cinema. Eu tinha amigos que haviam feito teatro na década de 60, nas vilas e aí comecei a conhecer pessoas vinculadas com o cinema e um dia me disseram se eu queria trabalhar no cinema como ajudante de direção. Eu disse que sim, me deram uma “pizarra”, onde eu tinha que anotar as cenas, os planos e desde essa primeira vez, se passaram 40 anos que sigo no cinema.
VOCÊ ESTREOU NA DIREÇÃO EM 1987 COM "REVANCHA DE UN AMIGO". COMO FOI DESDE ESTE PRIMEIRO TRABALHO NO CINEMA ATÉ CONSEGUIR FAZER TEU PRIMEIRO FILME?
Bem, eu fiz muitas funções, como pizarrero, depois como continuista, que isso me deu muito oficio, porque na minha época não existia o que existe hoje, que é o assistente de video. Eu tinha que tomar o roteiro e desenhar tudo quando os diretores faziam os cortes de uma cena a outra, de um plano a outro, no qual me deu uma prática muito grande en termos de visualização porque fiz quase 15 filmes como continuista, o que aqui se chama de primeiro ajudante de direção. A partir desse momento como sempre quis progredir, me chamaram para organizar a assistência de direção, organizando o plano de rodagem de cada filme. A questão é que entre uma coisa e outra, creio que fiz entre 40 a 45 filmes, desde este momento. Um dia me cansei, não queria mais fazer o trabalho de assistência e comecei com um roteiro debaixo do braço, que depois se chamou "Revancha de un amigo" e então fui a recorrer as produtoras. Meti o roteiro no Instituto (INCAA), e fui selecionado, com a condição de fazer o filme em três meses. A partir deste momento que fiz este filme, estive parado durante muito tempo, quase nove anos sem fazer cinema.
PORQUE DECIDISTE DEIXAR DE FAZER CINEMA POR NOVE ANOS?
Meu primeiro filme me decepcionou muito. Na realidade me decepcionaram os produtores e tive uma decepção tão grande, que não tinha mais vontade de filmar, até que voltaram a me chamar para fazer assistência em alguns filmes. Voltei a trabalhar com amigos como Eduardo Mignona, que me convocou novamente, que eu já havia feito um roteiro com ele (Evita (quien quiera oír que oiga)). Eu então aceitei o convite, porque essa coisa de rodagem, essa coisa da câmera, de tudo eu sentia falta realmente e então voltei com isso. A partir de voltar novamente, trabalhei em uma co-producão argentino/ norteamericana, mas disse “eu tenho que dirigir outra vez”. Então apareceu meu segundo filme, que se chamou "El verso" e desde este momento fui medianamente bem com este filme, me deu bastante satisfação e desde então a cada dois anos faço un filme.
TE PERGUNTO SOBRE TUA RELAÇÃO COM O ROTEIRO, PORQUE VOCÊ SEMPRE FEZ O ROTEIRO DOS TEUS FILMES?
A respeito do tema sobre o roteiro é muito simples, pois eu escrevo roteiros porque tenho que fazer filmes e o roteiro é o princípio de tudo. Há também a questão de que se eu quero fazer um filme, não tenho como pagar a um roteirista. Até agora tenho me saído bastante bem, mas de repente, se eu encontrar um roteiro que me satisfaça, o aceitaria, iria adiante con esse outro roteirista e trabalharia. Tive algumas experiências que ainda não conclui, como por exemplo, um velho sonho que tenho de adaptar um livro de um Rodolfo Walsh (escritor argentino desaparecido na época da ditadura militar), que é "El caso Satanovsky" (1973). Eu me dei conta que este caso me inquietava e convoquei a um amigo e roteirista que me ajudara nisso. Trabalhei em roteiros para outros como no caso de Mignona (Evita – quien quiere oír que oiga; Sol de Otoño) trabalhei para diretores como Juan Carlos Desanzo (En retirada - 1984) e José Pablo Feinmann. Sempre estou aberto.
VOCÊ TAMBÉM FEZ ROTEIROS PARA FILMES NO QUAL FORAM REALIZADOS POR OUTROS DIRETORES. BASEADO NISSO, ATÉ QUE PONTO PODE SER MAIS FÁCIL OU MAIS DIFÍCIL PARA UM DIRETOR REALIZAR UM FILME TAMBÉM COMO ROTEIRISTA OU ASSUMINDO O ROTEIRO DE OUTRA PESSOA?
Ao ter o roteiro de si mesmo, você tem que converterse em uma outra pessoa, é uma tarefa quase esquizofrenica porque em geral se tem uma tendência em se enamorar com o roteiro e então buscar tempo para que isso amadureça. Quando termina esse tempo, você deveria se encontrar consigo mesmo e perguntar o porquê de ter escrito este roteiro. A vantagem de trabalhar com o roteiro de uma outra pessoa é que o diretor perde questão da subjetividade do roteiro e começa a encontrar a subjetividade da puesta en escena.
VOCÊ FEZ O ROTEIRO DE “EVA PERON, QUIEN QUIERE OIR QUE OIGA” QUE É UM DOCUMENTÁRIO, ASSIM COMO TANTOS OUTROS ROTEIROS PARA FICÇÃO. QUAL É A DIFERENÇA ESSENCIAL ENTRE UM E OUTRO?
O roteiro de um documentário sempre começa com um pré-roteiro, não é um roteiro. O pré-roteiro aponta a ordenar a imagem ou os entrevistados, aponta a algo, mas que é provisório. Uma vez que está todo filmado então se planeja um roteiro para ir a sala de montagem e elaborar o filme. Na ficção é totalmente diferente, pois no roteiro já se planeja posturas dos personagens, conta o relato, aponta em vez de um princípio, um fim, onde estão os diálogos, as descrições dos personagens, as descrições das locações.
QUAIS SÃO OS ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA FAZER UM BOM ROTEIRO?
É uma pergunta muito difícil. Antes de tudo é ter uma boa história para fazer um roteiro. Uma boa história não garante um bom roteiro, mas é um bom ponto de partida. Ter personagens interessantes, quando digo isso é ter personagens de tal complexidade que o espectador se sinta atraído pelo mistério, pela complexidade dos personagens, que sinta as vezes identificação com estes personagens. Encontrar um como desta história, ou seja, encontrar um relato suficientemente atrativo para que essa historia siga na sua totalidade, na sua originalidade, que seja entretenida.
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