ENTREVISTA: RODRIGO MORENO
PARTE 1
Rodrigo Moreno teve neste ano de 2006 muitos motivos para comemorar. Expoente desta nova geração do cinema argentino, Moreno conseguiu estrear o seu primeiro longa metragem realizado individualmente como diretor e roteirista (havia feito anteriormente “El descanso” em trio, no roteiro e direção), chamado “El custodio” (no Brasil vai ser titulado como “O guardião). Além de ter tido grande sucesso de crítica na Argentina, o filme ganhou o prêmio Alfred Bauer, no Festival de Berlim deste ano, ao ser considerado “o filme mais inovador artísticamente, da seção competitiva”, feito conseguido pelos argentinos também em 2004, por Lucrecia Martel, em “O pântano”, assim como o prêmio de melhor roteiro latino-americano no Festival de Sundance/NHK. Mesmo antes de estrear no circuito comercial brasileiro, o filme já possui boa recepção no Brasil, ao ser o grande vencedor do festival Cine Ceará deste ano, nas categorias de melhor roteiro, melhor direção, melhor ator e prêmio da crítica e prêmio da municipalidade de Fortaleza.
Esta entrevista, realizada pelo blog LA ARGENTINIDAD NO CINEMA, será dividida em duas partes, sendo que esta primeira busca resgatar as origens e os passos iniciais da carreira de Rodrigo Moreno. Já a segunda parte irá colocar em destaque questões relativas a produção e recepção de “El custodio”, assim como sua visao sobre o cinema argentino atual e seus próximos projetos.
Bom proveito.
VOCÊ É FILHO DOS ATORES CARLOS MORENO E ADRIANA AIZENBERG (“MUNDO GRUA”, “EL ABRAZO PARTIDO”, “A TRAVES DE TUS OJOS” E OUTROS FILMES MAIS RECENTES). ATÉ QUE PONTO ISSO INFLUIU NA SUA DECISÃO DE FAZER CINEMA E EM QUE MOMENTO VOCÊ DECIDIU SEGUIR ESTA CARREIRA?
- O mundo do cinema, do teatro, das artes em geral, resulta como algo muito familiar, porque quando você vem de uma família de atores, de artistas é algo muito natural seguir este caminho. De modo que eu sempre escrevia desde criança, meu avô era escritor, e aí convém uma série de coisas, pois sempre quis contar histórias. O meu desejo de fazer cinema, creio que foi meio inconsciente, não foi premeditado pois quando eu terminei a escola não sabia o que fazer e me inscrevi em uma escola de cinema. Creio que em um ano e meio de curso me dei conta de que era o que eu queria fazer. Fiz um curta e ele foi bem, fui a festivais e comecei a viajar, e isso me fez ver que fazer cinema era uma possibilidade real, como um horizonte.
COMO FOI REALIZAR O SEU PRIMEIRO PROJETO, O CURTA “NOSOTROS”? FOI COM O PESSOAL DA ESCOLA DE CINEMA?
- No segundo ano do curso, a faculdade estava premiando projetos e os ganhadores tinham a oportunidade de filmar em 16mm. O meu projeto acabou sendo premiado e pude fazer-lo, com meus companheiros de curso que faziam fotografia, som. Nesse grupo inclusive esteve Pablo Trapero, que fez o som, sendo que os demais que participaram seguiram fazendo cinema e fazem parte dessa renovação destes últimos anos.
É POSSÍVEL FAZER ALGUMA RELAÇÃO COM UMA PRODUÇÃO DE UM FILME EM UMA ESCOLA DE CINEMA EM RELAÇÃO A UMA PRODUÇÃO PROFISSIONAL?
- Desde que eu terminei o curta “Nosotros” e o longa “El custodio” se passaram 13 anos. Isso é muito. Quando filmei “Nosotros” não tinha nem idéia do que era cinema, não sabia nada e agora sei um pouco mais que antes. Entre um e outro há muita diferença, porque o curta tem a ver com um período, uma etapa de formação, para mim foi uma experimentação, não mais que isso. Depois o curta ganha vida e tem autonomia, indo a festivais. Semelhanças há poucas, provavelmente há algo de camera fixa.
MAS NA ATUALIDADE, MUITOS PROFISSIONAIS DESTA NOVA GERAÇÃO SURGEM ATRAVÉS DAS ESCOLAS DE CINEMA. TE PARECE QUE HOJE AS ESCOLAS DE CINEMA POSSUEM UM PAPEL FUNDAMENTAL PARA A RENOVAÇÃO DO CINEMA ARGENTINO?
- Eu creio que assim como para muitas profissões tem que estudar, para o cinema se precisa estudar muito. Existem pessoas que talvez não necessitem da disciplina escolar, mas me parece que tendo escolas de cinema creio que é quase uma obrigação para quem quer trabalhar no cinema, passar por uma formação escolar, pois é uma experiência única, é uma combinação bastante particular de teoria, de reflexão, de conhecer diferentes ofícios. Como aluno, você tem que fazer muitas coisas, porque, por exemplo, num dia você está fazendo som, noutro dia está fazendo camera, e mais que nada, o mais importante é que você conhece aos seus pares, começa a conhecer gente, porque você não se forma sozinho, se forma rodeado de gente que esta na mesma que você.
Sobre a importância das escolas para o cinema argentino, creio que 80% que houve de renovação na Argentina se deve a proliferação das escolas de cinema. Eu creio que já saiu uma geração e agora está saindo outra com tanta força que isso nunca antes havia passado e isso coincide com a aparição de novas escolas de cinema em Buenos Aires e no interior. Isso é muito valioso. A Universidad del Cine (FUC) teve um papel central nisso, porque é uma escola muito séria, contando com 1500 alunos, sendo que 50% desses alunos são latino-americanos e isso enriquece muito a formação de um cinema do futuro. Além disso, está ocorrendo uma retroalimentação, pois pessoas que estudaram na faculdade agora estão ministrando aulas.
E COMO É A SUA RELAÇÃO COM PABLO TRAPERO (DIRETOR DE “MUNDO GRUA”; “O OUTRO LADO DA LEI” (EL BONUAERENSE) E “FAMILIA RODANTE”, JÁ CONHECIDOS NO BRASIL), COM QUEM ESTUDOU NA UNIVERSIDAD DEL CINE?
- Eramos um grupo de amigos muito forte, com Salvador Roselli (roteirista de “O cachorro”), Enrique Bellande (diretor e roteirista de “Ciudad de Maria”), Andrés Tambornino e Pablo Trapero. Com Pablo perdi contato, nos vemos pouco, seguimos caminhos diferentes, mas permanece o afeto, pois passamos cinco anos de nossa vida vivendo, estudando juntos, assistindo e fazendo os mesmos filmes. A escola de cinema permite algo que a comunidade de cinema não tem, que é a “camaraderia”, seguir sendo amigo de todos, porque creio que a comunidade de cinema é muito egocêntrica. Continuo sendo amigo de muita gente que estudou comigo, porque não os vejo como diretores, e sim como amigos e companheiros.
COMO FOI A REALIZAÇÃO DO FILME “MALA EPOCA” (1998), QUE FOI O SEGUNDO LONGA METRAGEM PATROCINADO PELA UNIVERSIDAD DEL CINE, NO QUAL VOCÊ DIRIGIU UM DOS QUATRO EPISÓDIOS?
- “Mala epoca” na realidade foi uma proposta dos alunos da universidade ao reitor, onde propomos para ele fazer um filme de episódios, tendo pontos em comum. Cada um deveria escrever um projeto para um média metragem, onde cada um votava os quatro que achavam melhores, não podendo votar em si mesmo, e os quatro ganhadores iam fazer o filme.
Os quatro vencedores foram Nicolás Saad, Mariano De Rosa, Salvador Roselli e eu, no qual fiz o episódio que se chama “Compañeros”. Creio que fizemos um filme muito bonito, me parece que talvez não foi um filme muito valorizado no momento, um pouco apagada pelo sucesso de “Pizza, birra e faso” e “Mundo grua”, mas foi um dos primeiros filmes de esta renovação do cinema argentino.
O filme que fiz conta a história de um homem que trabalha com som (“sonidista”), de atos políticos que se apaixonava pela amante do “capo” do bairro. A partir daí se cria uma história de amor cruzada com uma crítica muito forte ao exercício das políticas de bairros. O ponto em comum com “El custodio” é abordar o mundo da política como cenário e ter um personagem “totalmente lateral”, embora seja também diferente de “El custodio” porque possui outro tom, com mais comédia, com alguns momentos tragicômicos.
TEU FILME SEGUINTE FOI “EL DESCANSO”, UM LONGA METRAGEM FEITO EM CONJUNTO COM ULISES ROSELL, RODRIGO MORENO Y ANDRÉS TAMBORNINO. COMO FOI A REALIZAÇÃO DESTE FILME, QUE TEVE VOCÊS TRÊS PESSOAS ASSUMINDO O ROTEIRO E A DIREÇÃO?
- “El descanso” foi uma espécie de aventura de estudantes. no sentido de que se havia Depois de estreado “La mala epoca” e antes de eu ir a Espanha, por uma bolsa de estudos, havia escrito um roteiro com Ulises (Rosell) e Andrés (Tambornino). Nós já haviamos feito dois curtas, co-dirigido, no qual um curta foi dentro da escola e um curta que formou parte de Histórias Breves 1. Esta primeira realização do Histórias Breves, que foi um filme composto por 10 curta metragens feitos por jovens de 25 anos, contou com nomes como Adrián Caetano, Lucrecia Matel, Daniel Burman, Bruno Stagnaro, Sandra Gugliotta, sendo que no nosso a montagem fez Pablo Trapero, ou seja, todo o que passou depois, desta geração, passou aí. Nosso curta foi bastante êxitoso, um curta muito divertido que se chama “Adonde y como Oliveira perdió a charla” e se saiu tão bem que ficou uma assinatura pendente de que deveríamos fazer um longa metragem.
Escrevemos um roteiro onde colocamos elementos de humor negro, aventura, bastante delirante e apresentamos a um concurso. Nos esquecemos por algum tempo disto, eu fui a Espanha e então o pessoal me chama dizendo que ganhamos o dinheiro para fazer. O dinheiro não alcançava o necessário e não podíamos conseguir mais dinheiro, e era um filme muito caro que se tinha que fazer com muito pouco dinheiro. Chamamos a vinte amigos nossos e fomos a Córdoba, durante duas semanas com uma câmera de 35mm, os atores e fizemos o filme. Creio que “El descanso” é considerado a rodagem mais divertida do cinema argentinom, mas o filme foi um fracasso econômico, perdemos muito dinheiro, foi muito mal e custou muito repor. O filme ficou bom, mas não conseguiu pegar o público e nos deprimimos. Eu, durante essa depressão, então decidi escrever “El custodio”.
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