ENTREVISTA: RODRIGO MORENO
PARTE 2
"El Custodio" foi um dos filmes argentinos mais êxitosos do ano de 2006. O filme ganhou 22 prêmios ao longo do ano, obteve 60 mil espectadores na Argentina (considerado bom para um filme com uma proposta mais autoral), além de boa recepção da crítica. Ao mostrar a rotina de um segurança de um ministro, "El custodio" possui um trabalho cuidadoso desde o roteiro, passando pela "puesta en escena", fotografia e montagem. Abaixo, o diretor Rodrigo Moreno fala sobre a realização do filme.
COMO FOI PARA VOCÊ O DESAFIO DE REALIZAR “EL CUSTODIO”, POIS ESTE FOI O SEU PRIMEIRO LONGA REALIZANDO INDIVIDUALMENTE O ROTEIRO E A DIREÇÃO?
- O processo é que eu conheci alguns custodios (seguranças) e o primeiro que me chamou a atenção é como essa gente que tem que estar aí por uma questão de protocolo, já que ninguém quer matar a um ministro, tem que viver através de outro, tem que estar dependendo 24 horas através de uma outra pessoa. Isso me parecia como uma boa metáfora. Me pareceu interessante também que eles não podem falar, ou seja, com todo esse silêncio, somado com toda essa dependência, me pareceu uma “cozinha” muito interessante para fazer um filme. Escrevi dez páginas, apresentei a uma oficina, que se faz em Colón, Entre Rios, onde participam projetos de Argentina, Uruguai, Brasil, Chile e México e trabalhamos durante uma semana com tutores. A partir daí, conheci uma das tutoras que foi a diretora e roteirista mexicana Maria Novaro, e ela me abriu a cabeça. Ao ler aquelas dez páginas, ela me disse “a chave do teu filme é o ponto de vista”. Não me disse isso como imposição, sim como o que deduzia daquelas dez páginas, sem que eu tivesse me dado conta, e a partir daí me esclareceu todo o filme, me deu a chave. A partir daí entendi tudo.
QUANTO A ESTAS DEZ PRIMEIRAS PÁGINAS QUE VOCÊ ESCREVEU, ELAS FORAM ESCRITAS A PARTIR DE INVESTIGAÇÕES QUE VOCÊ FEZ, OU A PARTIR DO QUE VOCÊ IMAGINAVA QUE FOSSE A VIDA DE UM CUSTODIO (segurança)?
- Fiz sobre o que eu pensava, depois escrevi uma versao do roteiro, depois outra versao e depois voltei a Buenos Aires. Com a minha camera de video, estive durante dois dias seguindo custodios, que depois geraram material para um documentário de 10 minutos que está no DVD. Nesta altura também já havia me associado a um produtor e com este documentário e o roteiro, saímos a buscar dinheiro. Para mim filmar custodios com a camera de video não foi tanto em termos de investigação, e sim em termos de eu encontrar meu próprio olhar sobre isso, como eu me deparo frente a estas pessoas que seguem um ministro real, todo dia. Me pareceu muito claro, e se você tiver a oportunidade de olhar este dvd, você perceberá que há vários planos iguais aos do filme.
ESSE DOCUMENTÁRIO ENTÃO FOI UM REFORÇO DO QUE VOCÊ PENSAVA, MAIS DO QUE UMA MUDANÇA DE ABORDAGEM?
- Depois deste documentario também surgiram idéias. A essência do filme já estava nestas 10 páginas que eu escrevi em 2002 e que são iguais ao filme.
QUANTO TEMPO SE PASSOU DESDE AS DEZ PRIMEIRAS PÁGINAS DO ROTEIRO ATÉ A ESTRÉIA DO FILME?
- Quatro anos. De rodagem foram sete semanas, de pós produção entre 12 a 15 semanas.
TE PERGUNTO COMO FOI O TRABALHO DA “PUESTA EN ESCENA” COM JÚLIO CHAVES, POIS O FILME POSSUI A BUSCA POR UMA INTERPRETAÇÃO MINIMALISTA E ATÉ QUE PONTO A ESCOLHA DE JULIO CHAVES PARA FAZER O PROTAGONISTA FOI PREPONDERANTE?
- Fazia muito tempo que eu pensava em Júlio. Primeiro eu havia pensado em fazer com um custodio real, mas quando conheci aos custodios, me dei conta que não, que eram tipos muito duros, que trabalham todo dia, não havia forma de fazer o filme com eles. Depois o filme começou a tomar outro caminho, de ficção e automaticamente eu havia pensado em um ator como Júlio. A respeito do minimalismo, me parece que esse tom já se deducia desde o roteiro. Eu havia delimitado o território e todos que entravam no filme já sabiam que era esse o território. Além do mais lidei com atores muito inteligentes, com a combinação de atores não-atores também.
QUANTO AO USO DOS ESPAÇOS, NO QUAL SE DESTACA MUITO A QUESTÃO DOS CORREDORES, POR EXEMPLO. COMO FOI A ELABORAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DO FILME? JÁ ERA ALGO PRÉ DEFINIDO ANTES DA RODAGEM OU SE CRIARAM LOCAÇÕES DURANTE A RODAGEM?
- Foi uma combinação, há coisas que se prevê e há coisas que se encontram durante as filmagens. A mim o que me interessava é que o custodio sempre está em lugares pouco trancendentes, sempre atrás da porta, em lugares de transição como um corredor, um elevador, lugares digamos assim que seja absurdo que alguém fique. No entanto, o custodio tem que estar aí, é a única pessoa que precisa estar aí que tem que esperar em um corredor, sendo que um corredor é feito para passar, para ir e vir. Isso também foi muito determinante para obter a psicologia do personagem e com Julio Chaves se trabalhou neste sentido.
A RESPEITO DO RITMO DO FILME, QUE POSSUI UMA TEMPORALIDADE MUITO PARTICULAR, FOI ALGO QUE JÁ ESTAVA PLANEJADO DESDE ANTES DA RODAGEM OU FOI ALGO QUE SE DELINEOU DURANTE A ETAPA DE MONTAGEM?
- Com respeito a montagem era uma das coisas que eu tinha muito claro, que em algum momento você tem que sentir, o ponto de vista tem que se adonar do espectador e este tem que padecer como o custodio, para entender essa rotina, passando por essa rotina. Me parecia interessante na “puesta en escena”, estabelecer este “tédio”. A montagem trabalhou respeitando esta idéia sem que aborrecesse. Na realidade, quem entende “El custodio”, consegue entrar na lógica do filme, pois é um filme inquieto, onde há uma ameaça que não se sabe bem quem é, mas está latente e isto é montagem puro.
O PROTAGONISTA É UM CUSTODIO DE UM MINISTRO. ATÉ QUE PONTO FOI PREPONDERANTE A ESCOLHA DO PROTAGONISTA SER UM SEGURANÇA DE UM MINISTRO E NÃO DE UM EMPRESÁRIO, POR EXEMPLO? EXISTE UM POSICIONAMENTO POLITICO DIANTE DESSA ESCOLHA?
- Sim, claro, para mim o interessante é que não seja um empresário, primeiro porque a um empresário não me interessa contar porque possui a vida resolvida e o ministro não. O ministro não sabe até que ponto está posto ali por alguém ou se decidiram chegar a esse lugar, é um personagem muito mais ambíguo, interessante. Além disso, um empresário pode sofrer um atentado, de alguém que o queira roubar, e um ministro não, ninguém quer matar a um ministro menos a este ministro, que é da segunda linha. Me parecia interessante ter o protocolo. Um empresário tem um custodio porque quer, já um ministro tem um custodio porque deve ter e essa diferença é fundamental, até a respeito da insignificância ou significância do trabalho de um custodio. O empresário escolhe ter um custodio, assim o custodio tem um sentido, o ministro tem que ter por protocolo um custodio e então o custodio se coloca em algo absurdo. Depois havia algo interessante, tendo em conta um ponto de vista da política, que é o discurso vazio, tudo o que diz o ministro ao longo do filme é nada.
De todo o modo é como minha opinião sobre a política, de gente que está aí, abúlica, sem vontade de exercer nada e o exercem de maneira arbitrária. O que eles exercem não é pelo lugar que ocupam, sim pela classe social a que pertencem.
A PARTIR DO PRÊMIO QUE VOCÊ OBTEVE COM O FILME EM BERLIM, ELE TE ABRIU MAIS PORTAS NA EUROPA? COMO FOI A RECEPÇÃO DO FILME FORA PELO MUNDO E NA ARGENTINA?
- A recepção em geral está sendo boa. O filme já ganhou 22 prêmios em todo mundo, e quando acompanho o filme, percebo que possui uma boa acolhida, boas críticas, o público se mostra interessado, sempre há questionamentos, mas em geral é positiva. O bom dos prêmios é que habilita um próximo projeto, porque neste caso, custou muito conseguir um primeiro financiamento, porque depois deste primeiro se consegue mais dinheiro, buscando fundos, bolsas, concursos e assim podemos financiar o filme, mas até este momento nos custou muito chegar. Suponho que este prêmio em Berlim, pode interessar algumas pessoas em ver meu próximo filme e isso, de algum modo, é um passo.
COMO FOI O LANÇAMENTO DE “EL CUSTODIO” NA ARGENTINA?
- Foi um lançamento muito bom, sobre o filme se falava muito, até porque para a imprensa, era o filme que havia ganhado em Berlim. O filme teve uma excelente resposta do público na primeira semana, mas curiosamente o filme foi tirado de cartaz em seis das 12 salas de estréia porque vinha “Código da Vinci”. Apesar disso o filme foi muito bem, fazendo 60 mil espectadores e para este tipo de filme na Argentina está muito bem.
E COMO FOI A RECEPÇÃO DO FILME NO BRASIL, POR ONDE ELE JÁ PASSOU?
- No Brasil participamos do Cine Ceará deste ano, onde ganhamos os prêmios de melhor filme, melhor diretor, melhor ator, prêmio da crítica e prêmio da municipalidade de Fortaleza e isso possibilitou que o filme possa estrear no Brasil, com a produtora Pandora comprando os direitos. O filme também esteve no Rio de Janeiro, numa mostra paralela e teve bom recebimento, depois esteve em São Paulo, Belo Horizonte.
VOCÊ JÁ POSSUI PROJETOS PARA O FUTURO OU AINDA ESTÁ ENVOLVIDO COM O PROCESSO DE DIVULGAÇÃO DO FILME?
- É uma combinação das duas coisas. Agora estou preparando um telefilme para a televisão pública (Canal 7), que vou filmar em duas semanas e paralelamente vou a festivais para divulgar o filme, mas já com vontade de me despedir do filme. Depois deste tele-filme, vou já pensar na próxima. Tenho algumas idéias, estou escrevendo um pouco, mas necessito terminar este tele-filme.
QUE TE PARECE O CINEMA ARGENTINO HOJE, NO QUAL MUITAS PESSOAS FALAM SOBRE UM “NUEVO CINE ARGENTINO”. PARA VOCÊ QUE É DESTA GERAÇÃO DE ADRIÁN CAETANO, PABLO TRAPERO E OUTROS, QUE SURGIRAM A PARTIR DA SEGUNDA METADE DA DÉCADA DE 90, É POSSÍVEL FAZER ESTA AFIRMAÇÃO?
- Creio que desde muito anos, por volta de dez anos, tem aparecido novas gerações que tentam mudar uma forma de representação. No entanto, não é um movimento, creio que a diversidade está fazendo a riqueza do cinema argentino. Creio que estamos passando por uma outra etapa, a etapa de passar a limpo, pois se fizeram muitos filmes, muitos novos diretores e agora se está vendo quem segue. Por outro lado estão aparecendo outras expressões, por fora das estruturas oficiais. Eu vejo vários filmes de diretores muito jovens que filmam em digital, que estão produzindo coisas muito interessantes. No ultimo BAFICI (festival de cinema independente de Buenos Aires), por exemplo, se pode ver uns 15 filmes feitos sem dinheiro oficial e para mim isto é muito importante, porque tudo está muito vivo e há muita vontade de seguir renovando. A Argentina segue passando por um momento muito incrível em termos de produção cinematográfica, pela quantidade, pela qualidade e pelo que passa a nível de festivais, pois todos os festivais mais importantes, todos tem ao menos um filme argentino e isso porque a Argentina segue produzindo cinema de autor.
Creio que o que dificulta a produção de cinema na Argentina é a questão da dsitribuição, porque se fazem muitos filmes, e muitas poucas pessoas assistem. Isso é algo que está falhando.
SERIA POR UMA OPÇÃO EM REALIZAR FILMES COM UM CUNHO MAIS PESSOAL, SEM CONCESSÕES COMERCIAIS?
- Creio que é isso, me parece que é quanto a responsabilidade dos diretores. Mas o problema, de todo modo não é esse, é relativo quanto as cadeias de exibição, pois o sistema de exibição na Argentina é um sistema nefasto, cruel, a nada lhes importa os filmes argentinos e em realidade são um problema para essa cadeias. Temos um diretor a cargo do Instituto de Cine (INCAA) que parece governar para os exibidores e não para os produtores e isso é um problema, porque há muita hipocrisia neste governo e isso se vê na política cinematografica e nas artes em geral. Hoje em dia o Instituto destina uma enormidade de dinheiro para subsidiarias das cadeias norte-americanas de exibição para que passe o cinema argentino, ou seja, há algo que está muito confuso.
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